Alimentação ou emancipação?

Imagem gerada por IA.

Me assusta saber que pequenas cidades distribuem milhares e milhares de refeições ao seu povo e que isso é celebrado como algo positivo e virtuoso, como um ganho. Eu me pergunto: há algum aspecto digno de ser exaltado em ter um povo que não consegue se alimentar dignamente com o fruto do próprio trabalho e precisa do governo? Minha pergunta é retórica, obviamente.

Não estou desprezando o bem que os programas sociais trazem. Sou do Nordeste, sei o que é a pobreza e conheço intimamente a fome e os seus efeitos físicos. A questão não é essa, mas o fato de saber que os mesmos programas sociais têm início, mas não têm fim e que, a cada dia, há mais um chegando e levando um pouco mais da nossa cidadania.

Do ponto de vista democrático, isso é perverso, pois os mais pobres são colocados numa eterna situação de dependência governamental, e isso jamais lhes permite perceber a própria situação. Não apenas isso, mas também os impede de querer mudar. Afinal, pode até estar difícil, mas, com essa ajudinha, dá para ir levando. Emancipar-se exige revolta, revolta essa que só pode vir de uma mente consciente quanto ao próprio valor e ao próprio estado.

Em debate, um dos temas mais impactantes e urgentes da sociedade. Por um lado, ninguém vive sem se alimentar e não dá para deixar a próxima refeição para o mês seguinte. Do outro, o tema da liberdade, sobretudo a intelectual, a mais importante de todas, pois é ela que permite ao homem se ver como parte de um todo e agente da mudança. O papel do governo é servir ao povo e não se servir dele.

Os famintos não sabem votar; eles não pensam com o cérebro, mas com o estômago (parafraseando certo político famoso em um discurso sóbrio na década de 80/90), e, como sabemos, o estômago não pode ser convencido a deixar a necessidade de comer para depois. Ele quer ser alimentado, e é para agora.

Neste cenário de terra arrasada que se arrasta há décadas, o pobre está de um lado, o político populista e bonzinho do outro, e a negociação tácita se dá da seguinte forma: o pobre entra com o estômago, e o político, com as suas ambições pessoais e fome de poder eterno, que, como se sangue fosse, passa de pais para filhos e de filhos para filhos num círculo eterno que se retroalimenta da miserabilidade alheia.

Como se diz, o mundo da política não tem porta de saída, e, uma vez picado pelo mosquito do poder, quem prova do doce mel da sensação de prometer salvar todo mundo muito dificilmente poderá deixar de inocular-se com a droga do dinheiro público e da bajulação sem limites.

Ao povo, o verdadeiro dono do poder, restam as migalhas. E os poucos benefícios que esse mesmo povo se provê por meio dos seus impostos, ele acredita estar recebendo de graça. A mão que dá não tem o bolso que paga; mesmo assim, exige gratidão e reconhecimento de um benfeitor, agindo de forma clara e inequívoca como espoliadora de futuros.

Está tudo invertido, tudo errado, tudo muito ruim. A democracia está sendo espancada diariamente e, enquanto as barrigas ansiosas se enchem, os cérebros são ignorados e se submetem aos donos do poder. Na urgência de ter algo para comer, entregam, em troca, o presente e o futuro dos seus filhos.

O desfecho é perfeito, a situação parece maravilhosa, mas só parece mesmo. E basta um olhar mais acurado para notarmos que, por trás das cortinas, há gente enriquecendo e garantindo que os seus descendentes sejam eternamente aqueles que vão governar os pobres, decidir seus futuros, lhes servir migalhas e serem exaltados ao cargo de salvadores dos pobres e oprimidos.

Que há pobres, sabemos. Mas e a opressão, de onde ela vem? Vem de um sistema dito democrático que estabelece o lugar e o destino de cada um antes mesmo de nascer. O sistema é bruto; ele está unido e bem ajustado para funcionar de maneira perfeita. O pobre se mantém pobre, o seu estômago continua tendo a última palavra. Já em matéria de direitos, isso só os donos do poder têm. E as migalhas continuarão a ser gentilmente cedidas em troca de mais poder e mais poder — quanto mais poder, melhor.

 

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