O básico não é exigência nem um privilégio

 

Imagem gerada por IA.

Certa vez, precisei ir ao médico, então fiz toda aquela romaria necessária quando você não consegue pagar por uma consulta particular. Marquei a consulta ou, melhor, como ainda estava muito distante a próxima vaga, consegui trocar de lugar com um parente meu, cujo estado era menos grave.

No dia da consulta, eu estava na maior expectativa, pensando em contar ao “doutor” tudo o que eu estava sentindo – os sintomas e as minhas dores. Como não poderia ser diferente, o médico atrasou por alguns minutos. Mas até aí, tudo bem, isso já é trivial em matéria de serviço público.

Pois bem, esperei na fila pela minha vez e, assim que fui chamado, logo adentrei o antigo quarto de uma casa familiar que se tornou posto de saúde. Sem problemas, o importante é o que importa, pois o atendimento dispensado, quando bom, vale mais do que o ambiente.

Ao cumprimentar a figura de branco e lhe mostrar os exames que trazia comigo, algo espetacular aconteceu: ele conseguiu ler todas as informações das várias páginas em questão de quinze segundos. Incrível, não é mesmo? Resumindo a ópera, eu mal consegui falar, e ele sequer se deu ao trabalho de me explicar qualquer coisa.

Foi logo receitando uma medicação, sem sequer me dizer quais os efeitos, por quanto tempo eu deveria tomar ou se deveria voltar depois de algum tempo. Acho que deve ser uma cultura médica que nós, pessoas que não fizeram medicina, não conhecemos. Médicos não falam, não explicam, não devem satisfações – em especial quando o atendimento se dá em uma repartição pública, “que é de graça”.

Ter um médico perto de casa é bom caso a gente precise, mas isso, por si só, não é o bastante, o atendimento precisa ser humanizado. Não parece bom que o médico trate o paciente como alguém intelectualmente inferior (se é que essa seria a justificativa). Não custaria nada explicar, com mínima profundidade, ao paciente o que está acontecendo com o seu corpo. Afinal, para que estudam os médicos? Para escrever com letras ilegíveis e serem pessoas superiores às demais?

Que bem seria se os médicos agissem como os técnicos em enfermagem ou como os enfermeiros. Eles, sim, sabem como lidar com gente, como tratar com dignidade alguém que procurou por ajuda médica. Afinal, não creio que alguém procure um médico simplesmente para ocupar o seu dia vazio de obrigações.

O pior é que, se você reclamar ou ousar fazer perguntas, pode ser malvisto, já que nas paredes dos hospitais sempre está estampado o artigo da lei que fala em desacato ao funcionário público, mas nada vemos em relação aos direitos do cidadão pagador de impostos.

A sensação que a gente tem é que, muitas vezes, o nosso funcionário público odeia ter que lidar com gente que não tem o mesmo nível social. Sendo essa uma verdade, não seria melhor evitar o aborrecimento de ter que lidar com pobres indo trabalhar no sistema privado ou, quem sabe, abrindo a própria clínica?

O que não parece aceitável é ser atendido de maneira grosseira e ser ignorado, sendo impedido até mesmo de contar os sintomas. Já falei sobre isso? Acredite você ou não, em certa consulta, ao dizer ao médico que estava sentindo dores no “pé da barriga”, ele, do “nada”, me disse: “Isso não é câncer.” Ainda bem que ele disse isso. Eu me senti diante de alguém com poderes sobrenaturais para diagnosticar até doenças graves em menos de dez segundos e sem nenhuma aparente base científica.

Já ouvi certa vez que parte da cura de um paciente é o tratamento que lhe é dispensado. Se isso é mesmo verdade, eu não sei, mas me parece lógico que o paciente possa ter um atendimento que não seja uma espécie de fast-food da saúde.

 

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