Religião na escola, algumas considerações
Todos
nós sabemos que a maioria dos seres humanos é intrinsecamente religiosa. O fato
é que não ter uma religião ainda é visto (e possivelmente sempre será) como
algo estranho. Afinal, em nossas mentes religiosas, pensamos: como pode alguém
viver sem fé no sobrenatural? Pelo mundo, constata-se que muda-se o deus, porém
sempre há uma figura divina a ser cultuada ou milhares delas.
Eu,
como cristão protestante, obviamente religioso, sou totalmente favorável às
crenças religiosas, especialmente as minhas. No entanto, no meu ambiente
profissional, de maneira alguma abordo temáticas de natureza proselitista,
especialmente com meus alunos. Por quê? Ora, desde que me tornei professor,
sempre trabalhei com crianças, e crianças têm seus direitos, suas crenças, suas
famílias e seus contextos. Não posso esquecer que meu aluno é filho de alguém e
que não veio à escola para ser ensinado sobre o que eu, na qualidade de
professor, creio.
Se
eu condenaria a doutrinação ideológica em sala de aula (o que faço), por que
não condenaria o comportamento de um profissional da educação que,
utilizando-se de seu cargo e de sua posição de autoridade, leva dezenas de
crianças (muitas vezes sem autorização familiar) ao seu lugar de culto? Tal
atitude está entre as demandas da escola? Obviamente que não! A escola acolhe,
aceita e defende os direitos de todos; no entanto, do ponto de vista religioso
(com exceção das confessionais), deve ser neutra.
Veja
bem, a escola neutra que eu defendo não é aquela que se opõe às religiões; essa
seria antirreligiosa. A neutralidade que proponho, consiste no fato de que, na
qualidade de serviço público, a gestão e demais funcionários não podem, nem devem
tomar partido dessa ou daquela religião, ainda que tenham suas próprias
convicções. O que não lhes é negado como sujeitos de um país laico e democrático.
Creio
que a única possibilidade de tal postura figurar como legítima seria se o mesmo
direito fosse assegurado a todas as religiões, e é óbvio que tal cenário
causaria extrema desestabilização local/nacional, posto que a escolha por uma
religião implica relegar todas as demais.
Notemos
que, os pais não mandam seus filhos às escolas para que eles sejam convertidos.
Esse é o trabalho das igrejas. Porém, me parece assombroso que pessoas em
posição de “destaque” na coisa pública se utilizem do seu lugar privilegiado
para favorecer a própria religião. Deixe-me contextualizar como essa matéria me
surgiu: há cerca de nove anos, trabalhei numa escola onde houve um momento de proselitismo
não escolhido. Os religiosos “pregaram a sua mensagem”, distribuíram
símbolos da sua religião e, no dia seguinte, no início da aula, um pai veio
cobrar satisfações e devolver os itens recebidos.
O
senhor explicou o seguinte: “O meu filho tem uma religião e nós não cremos
nisso”, referindo-se ao proselitismo não autorizado. Considerando o que
foi feito, caso aquele pai quisesse, poderia até mesmo ter entrado com uma
denúncia junto ao Ministério Público, pois o seu filho (sem possibilidade de
escolha) foi exposto a um discurso cuja finalidade era fazê-lo mudar de
religião, o que afronta visceralmente os direitos da família. Além de ferir a
sua liberdade de culto, direito sacramentado pela Constituição Federal de 1988
em seu artigo 5º inciso VI.
Reiterando,
o aluno de um professor é o filho de alguém e, se tem religião, se é essa ou
aquela, se não tem nenhuma, não é assunto do professor. Simplesmente não lhe
diz respeito. Utilizar-se de audiência cativa, ignorando que o seu público está
em fase de desenvolvimento e não detém a adequada autonomia intelectual para
escolha é muito mais do que antiético; beira o crime.
O ideal, ao meu ver, é assegurar que a escola seja uma ponte para a tolerância, jamais para que alguém faça do espaço escolar um lugar de conversões ou de tentativas. Exceto se tal contexto incluir a participação dos pais e/ou responsáveis. Pois o dinheiro público que financia a educação não tem a finalidade de promover crenças religiosas.
Leia o artigo 5º da Constituição Federal aqui.
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